quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Depedência

 

Era madrugada.
 O canto mais escuro da pequena praça, vários jovens estavam sentados no chão. Mas uma garota me chamou atenção.
-Licença, eu posso falar com a Susana?- Agarrei Susana pelo braço, mas a amiga quis protestar- Te liga garota o assunto é entre eu e a Susana.
Logo formou um pequeno grupo entre nós, os jovens em maioria alcoolizados já partiram para cima de mim. Serrei os punhos prontos para a briga, nesse momento Susana ergue os olhos e diz:
-Calma galera, vou ali dispensar o coroa. Já volto.  

Caminhamos poucos metros para onde teríamos certeza que não seriamos escutados.
-Você tem id...- tentei questionar.
Susana me interrompeu.
- É simples para você, um coroa cheio da grana que passa o dia trancado em um consultório, depois sai de lá, transa com sua esposa e dorme tranquilamente. É fácil falar um monte de coisas, manipular meus sentimentos, induzir a boas ações. É simples.
-Susana, eu avisei que a reabilitação não seria fácil. Que algumas pessoas iriam te virar as costas.
- Sim, algumas pessoas? O mundo me virou as costas. Meus pais desconfiam de mim, não consigo reaver minhas antigas amizades, pareço um andróide quando estou com eles. Sou o foco das atenções. Sei que o senhor me ajudou, mas faz favor? Deixa-me viver minha vida! Tu, não é mais meu médico. – As palavras se repetiam em minha mente, eu não queria estar ouvindo aquilo.
Meu coração pulsava forte no peito, ao longe via que aqueles jovens que pareciam ter sede pelo meu sangue, por fim desengasguei:
- Minha relação com você foi maior do que Doutor e Paciente, mesmo quando você não freqüentava mais a clinica, ainda me procurava. Estou ciente do que está passando, já ouvi dezenas de histórias como a sua, e acredite, faz anos que não tenho uma noite de sono tranqüilo. Sua mãe está preocupada.
- Minha mãe, no fundo eu tenho pena dela. Não merece a filha que tem. Susana começou a chorar- Você está aqui porque ela mandou? Aposto que sim, deve estar transando com ela. – Com o punho tapeou meu ombro algumas vezes.
- Sua mãe nem sabe que estou aqui, liguei para a sua casa e ela atendeu, perguntei por ti, disse que queria conversar. Sua mãe disse que você tinha saído com uma amiga, tinham ido ao shopping, se bem te conheço não freqüenta shopping.  Resolvi passar por aqui, ver quem estava, por sorte eu te vi.
Susana se sentou no meio fio, desabou a chorar.
-Não é o que tu pensa cara, não voltei para as drogas.  Aquela ali, a de cabelo mais curto, a morena. Ela é minha melhor amiga.
- Aquela que te puxou quando cheguei?- Questionei sem entender nada.
- Sim ela mesma, ela é usuária de cocaína. – Susana retomou o fôlego. – Ela tentou, mas não conseguiu parar. Hoje viemos aqui porque eu estou quitando a dívida dela. E quero ajudá-la assim como você me ajudou. – Susana estava realmente abalada.
-Menina, porque me fez acreditar que você está de volta nas drogas. Porque não apareceu mais para conversar no consultório. – Meus pensamentos estavam a mil. Não entendia mais nada.
- Você é um ótimo psiquiatra, mas nossa relação foi além. Larguei as drogas e hoje pareço depender de ti. Tu tens esposa, não posso mais te ver.
-O que está sentindo por mim é provocado pela carência afetiva, à falta que suas amizades fazem, fique à-vontade em voltar quando quiser ao consultório, ou me ligar. E fico feliz por tentar ajudar sua amiga, mas incentive-a a procurar ajuda médica, apoio moral pode não ser o bastante.
Marcos, - poucas vezes havia me chamado pelo nome. Medindo as palavras falou- Estou fazendo o possível para ajudá-la.  Obrigado por tudo.
- Susana, você sabe que uma pessoa para reabilitar precisa de muito apoio. Apóie-a, e sem esquecer, que quanto mais tiver apoio, melhor será. Seus amigos podem desconfiar, reconquiste a confiança deles. Mostre que é a garota simpática, e extrovertida que não precisa de drogas para se divertir. Quero que tenha dezenas de amigos, não quero que se prenda apenas a mim, mas espero que jamais suma. Não brinque sobre a borda do poço, pois se cair... Posso não querer te ajudar.
Nisso a Kety veio para junto de nós. Sentou ao lado da Susana e falou:
- Susana, nós podemos ir.
  Um sorriso estampava seu rosto, mas no fundo dos olhos pude enxergar um medo. Medo de não ter certeza do amanhã.
- Kety, esse é o Marcos que te falei. – Susana falou apontando em minha direção.
- Marcos, o doutor? – Os olhos da garota mostravam um imenso espanto. – Prazer, Quetlen ou pode chamar de Kety.
- Prazer, o próprio. - Cumprimentado com um aceno de cabeça. – Estão apé? Deixa que levo vocês.
Dirigi calado até a casa da Susana, as deixando no portão.

2 comentários:

  1. Nossa, queria a Susana aqui ter um médico desses! Super atencioso... aí tem hein!
    Já imaginei um médico bonitão... ui... rsrsrsrs!!!
    Adorei!!!
    Obrigada pela homenagem! fiquei honrada por usar meu nome na personagem.
    Bloody kisses!

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  2. Adorei muito esse conto... Ai! Queria eu ter um médico desses... Mas muito bom, seu conto me prendeu do início ao fim.. Palavras bem usadas!
    http://lollyoliver.wordpress.com/

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