terça-feira, 2 de novembro de 2010

Amor Virtual


Durante muito tempo a sala de Literatura Brasileira de um bate-papo qualquer, foi meu refúgio nos momentos de solidão. E ainda é. Sentada em meu quarto escuro acompanhada apenas por uma Xícara de café, eu conversava com dezenas de pessoas em uma única noite.
Aquilo era apenas um refúgio, refúgio do mundo real. A Internet para mim não era apenas números. Quantidade de contatos no MSN, visualizações de um blog, amigos no Orkut, vídeos, sites, infinitas palavras jogadas ao vento entre downloads e uploads. Eu era ingênua, sentada ali, prestava atenção em cada detalhe da conversa, em minha cabeça as palavras ganhavam vidas, os nomes tinham rostos, sentimentos afloravam dentro de mim.
Eu estudava de manhã, a tarde ficava por casa, olhava televisão ou repassava matéria.  Apenas depois que todos iam dormir que me dirigia para o meu refúgio. Nosso computador ficava na sala de estar em uma bancada ao lado da televisão. Então quando alguém estava assistindo televisão o computador deveria estar vago.
Em uma noite quente no início de março, bebia café frio, enquanto conversava com alguns colegas de escola pelo MSN, todos concordando comigo quanto à colocação das mesas no novo espelho de classe, achavam uma MERDA! E eu estava achando aquele papo um soco no estômago, me despedi educadamente dizendo a eles que iria dormir. Ao me despedir de todos, coloquei o MSN em offline, e encaminhei a atenção para o bate-papo que acabará de abrir.
A sala de literatura 1 estava lotada, me obriguei entrar na sala 2, minha entrada na sala foi repleta de Ois, acho que é assim com todas garotas que freqüentam. Não demorou muito para aparecer o primeiro engraçadinho afim de sexo.  Fui educada com o Tesudo cam, ele me perguntou:
-E ai gatinha, afim de sexo?                                                                                                        
- Não obrigado, tenta a sua mãe. – Quem  me conhece sabe que respeito até mesmo os tarados. 
Fiquei na sala por uns minutos, apenas respondendo as clássicas perguntas.
-Oi. Tudo bem?  Tecla de onde? – Acredite tem quem precise três mensagens para isso. O engraçado que o papo normalmente morre ali. Ou se atrevem a pedir a idade antes de se calar.
De repente uma mensagem de um estranho me chamou atenção.
-Curti Paulo Coelho?
- O Escritor? – Respondi sem me flagrar da tamanha besteira que escrevi.
- Não, o cara que compunha junto com Raul Seixas na década de oitenta.
- É o mesmo? Né?
-Essa é uma sala de literatura brasileira, Paulo Coelho é um dos maiores escritores da atualidade, se não o maior. Enfim, li O Alquimista. Agora estou entre, As Valkírias e Veronika decide morrer. Ambos dele.
-São duas boas histórias. Difícil definir a melhor.  – Nem acreditava no que estava dizendo, nunca ao menos havia folhado qualquer dos livros.
-Tá, quando eu ler, te conto qual é a melhor história! Acha que acredito que leu?  Tenta usar de mais convicção na próxima. “risos”.
Eu odiava não saber o que dizer, mas ele tinha me pego. Travada com as mãos postas sobre o teclado, tomei um gole de café e resolvi prosseguir o tom de piada que ele impôs.
- Você deve ser o próprio Paulo Coelho, quem usa “Risos” em um bate-papo?  Aqui se usa “rsrs”, “hsuahsuas” ou dezenas de definições para engraçado, mas “risos” você é o primeiro.
-Quem dera ser o próprio, sou apenas um apreciador de boas histórias. – Já você, parece procurar um escritor, por estar aqui. – Imaginei um cara de estilo intelectual, de voz grossa, mas muito educado.
- Na verdade, já ouvi muito sobre o Paulo Coelho. Sempre aqueles papos de Mago, ou da antiga sociedade alternativa que projetava erguer com o Raul Seixas. Acho que por isso que nunca li, não me interessei.
- Então me diga Bia. Esse Nick é algum derivado de Beatriz, Bianca talvez. Ou seria a sigla que criou para se denominar “Bonita, Inteligente e Amiga”?
- Bianca, meu nome.  Bonita, jamais.  Inteligente, faço o possível. Não diria amiga, diria amigável.
- Desculpe Bianca, mas, em todas minhas chances de aproximação você me repele. Não é lésbica? É?
- Uma dúvida, você procura uma dica de livro, ou uma namorada?  Se for livro, desculpe já descobriu que não leio Paulo Coelho. No caso da namorada, aqui para mim é curtição, distração. Procuro amigos, namoro não. – Naquele momento, temi ter sido amarga demais. Acabar espantando-o.
-OK. Meu nome é  Tomás. Tenho 20 anos, nasci e me criei na cidade de São Paulo, onde ainda moro. Não entro em bate-papo, entrei mesmo para ter a dica do livro. Na verdade, não entro mais. Durante um tempo entrei bastante, hoje me afastei, prefiro ler um bom livro. Sempre entro no MSN, você tem? Passa que te adiciono.
- É assim que funciona? Me diz seu nome, idade e onde mora,  e quer meu MSN? Preferia falar um pouco de mim, terei tempo se é que vai mesmo adicionar. ........................@hotmail.com . Estou offline amanhã te aceito.
-Não quero ser intrometido! Noto que somos as duas únicas pessoas que escrevem corretamente nessa sala. Tenho meus motivos, pode me dizer os seus?
- Não tenho grande motivo, escrevo certo por costume, não me deixo levar por essas abreviações de internet. Acredito que a internet não deve deixar as pessoas mais burras e sim o contrario. E quais são os seus motivos?
- Meu motivo é simples, curso letras na UFSP. Com isso devo escrever corretamente, seria estranho um professor que escreve errado. Não acha?
- Não sabia que era aluno da UFSP. Nem ao menos que fazia faculdade. Quem diria aluno de letras.  – O papo já estava rolando distraído, sem ênfases para o que deveria parecer engraçado.
-Está adicionada.
-Adicionada?
-MSN? Lembra?
-Desculpa-me, distraí. - Tudo que eu queria era um buraco para me esconder.
- Desculpe, já passou da uma. Tenho faculdade amanhã,  me aceita.
- Já aceitei.
-Aceitou? Não estava offline?
- Sim estou offline, ou melhor, status invisível... Você me vê como offline. – Estava realizada de ter conseguido aplicar uma nele.
-Tá  bom. Tchau, beijos. Diga-me, qual sua idade?
- 16, eu tenho 16.
- Amanhã teclamos.
-Beijos. Prazer em te conhecer. – Mas ele já havia saído da sala.
Desliguei o computador rapidamente, sem fechar nenhuma das paginas abertas. Após escovar os dentes, desliguei o estabilizador e fui deitar.
O dia seguinte foi um dia normal, estudei pela manhã, sai com as amigas a tarde e á noite voltei para meu refúgio. Abri diretamente o MSN, vi entre as fotos dos contados Online, um olho verde, um olho estranho para mim. Cliquei curiosa, ao abrir a janela, o email desconhecido se tornou um nome, Tomás.
Mandei um Olá minutos depois quando notei que não teria comprimento da parte dele.  Ele deu um simples oi.
Sem querer ser clichê, com aquelas perguntas clássicas, perguntei se decidira qual livro iria ler.
- Comprei os dois, na verdade comprei uma coleção de livros do Paulo Coelho, alguns que até eu já tinha, mas o preço estava em conta.
O papo estava ótimo .  Por todo o tempo imaginei como seria o dono do olho verde, resolvi pedir outra foto. Mas a minha estava ali durante todo o tempo e ele nem para me chamar de bela. Conformei-me ele era diferente dos outros, quando pedi a foto , não custou a me enviar.
-Não prefiro enviar, não gosto de mostrar fotos no MSN. Tem pessoas loucas, não sei o que podem fazer ao olhá-las.
- E eu, o que acha que posso fazer olhando?- Perguntei com um ar de piada, temendo a resposta.
- Te pergunto! O que acha que fiz olhando a sua por todo esse tempo?
Mas uma vez ele havia conseguido me fazer travar frente ao computador. Pelo visto gostava de encabular as garotas. O papo seguiu por horas, e eu cada vez com menos sono, e mais empolgada. Lembro que fui deitar as três da madrugada. Nem entrei no bate-papo aquela noite.
Durante os próximos dias colocamos limites no tempo de conversa, pelo menos durante a semana, mas não limitávamos os assuntos.
Só após uma semana ele me revelou ter acabado de sair de um relacionamento de dois anos, a garota que havia terminado. Não havia tempo para o casal. Ambos estudavam na mesma faculdade. Faziam cursos diferentes, mal se falavam.
No momento que me contou do término do relacionamento, notei estar abalada. Algo me deixou triste, não entendia o que. Ele tinha acabado o relacionamento, aceitando um pedido dela. Notei que foi uma frase que me abalou, ”Não havia tempo para o casal”.
Naquele dia notei estar apaixonada por um ser virtual, um cara que não passava de letras. E questionei os sentimentos dele, ele disse sentir o mesmo, mas não sabia se era carência pelo termino do namoro, ou estava realmente apaixonado. Trocamos números de telefone, várias fotos, e eu ligava para ele sempre que podia. Éramos um belo casal.
Algumas vezes ele também me telefonou, dizendo estar no intervalo da faculdade, sempre falava rápido e desligava. Sua voz era realmente como eu imaginará. E eu cada dia mais dependente daquilo tudo.
Em uma tarde de domingo, estava online, porém ele não. A tarde não passava, eu estava cabisbaixa, resolvi ligar para ele. Não era sempre que ele podia me atender, não custava tentar.
Chamou algumas vezes, o silêncio me mostrou que alguém atenderá.
-Alô, Tomás é você?- Falei antes mesmo de ter um sinal no outro lado da linha.
-Desculpe, o Tomás está no banho. Mas quer deixar recado?- Uma voz feminina perfeita respondeu.
-Você deve ser a Sarah? Irmã caçula dele. Prazer, eu ligo mais tarde. – Questionei, lembrando da garota que vi em algumas fotos do Orkut do Tomás, uma garota linda, um tanto parecida com ele.
 -Desculpe garota, você deve ter ligado para o número errado. Meu nome é Camila, sou a namorada dele. O Tomás no qual me refiro, é filho único, não tem irmã alguma. – Aquelas palavras doeram como uma navalha introduzida lentamente em meu peito. Ele havia mentido para mim, ele era uma mentira.
- Desculpe, me chamo Bianca. E acho que realmente liguei para o número errado.
Depois daquele telefonema, nunca mais falei com ele, sinto falta de sua voz.  A garota das fotos realmente se chama Camila, sua atual esposa. Meses depois o perfil do Tomás se tornou compartilhado pelo casal no Orkut, e lá vejo como ele está, vi que ele será pai estou feliz por ele.
Resolvi escrever minha história depois de ler um livro do Paulo Coelho,  As valkirias. Já no início do livro achei um poema, que me fez relembrar tudo. Este é o poema:
A gente sempre destrói aquilo que ama
em campo aberto, ou em uma emboscada;
alguns com a leveza de um carinho
outros com a dureza da palavra;
os covardes destroem com um beijo,
os valentes, destroem com a espada.

Oscar Wilde, Balada do cárcere de reading.  



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