sábado, 16 de outubro de 2010

Não me ama? Prove


Tudo que tinha era uma vela acesa diante dos seus olhos. Um dia foi linda, lindos cabelos negros, pele branca e lisa, seus lábios carnudos escondiam um sorriso invejável que era mantido em segredo por sua timidez.
Deitada no chão gelado do velho porão, Mariana observava sua pele, aqueles vários hematomas e as dezenas de mordidas. Acorrentada sem mal poder ver a luz do sol a semanas, servia de comida para ratos. Todas as noites quando o cansaço à fazia dormir, seus vizinhos vinham se alimentar de sua carne.
Só sabia que era manhã por que Jorge seu ex-namorado e seqüestrador vinha lhe trazer algum alimento, e entre desaforos lhe pedia uma reconciliação, isso quando não a surrava, com sua visita deixava entrar poucos raios de luz. Jorge apenas fazia visitas rápidas pela manhã, deixava o alimento, e trocava a vela, ai seguia para o trabalho. Todas as noites ele voltava. Em busca de sexo na maioria, e outras fazendo propostas de liberdade em troca de amor eterno.
Naquela manhã Jorge trousse dois pães e uma garrafa com água, após trocar a vela saiu. Mariana pegou a sacola e se arrastou até a parede, bebia pequenos goles da água enquanto mastigava o pão. Em sua cabeça estava à lembrança de quantas vezes reclamou da comida de sua mãe, e a certeza que nunca a comeria novamente.
Bebendo a água passou os olhos na corrente que a prendia pelo tornozelo esquerdo em uma das paredes do porão. A corrente grossa, pesada, estava totalmente enferrujada, junto ao tornozelo de Mariana trazia uma espécie de algema, que em um dos lados tinha uma simples dobradiça, e do outro um grosso parafuso preso por uma porca.  Voltou seu olhar para sua mão direita, seu dedão já sem unha, das tantas vezes que tentou afrouxar a tranca.
Contabilizou vinte e um dias desde que foi levada para o cativeiro. Eram três semanas de dias iguais, ela e aquele porão imundo, comia ao amanhecer e apanhava antes de dormir, só mudava o alimento e os pontos da dor. Nunca imaginará haver um porão de escravos naquela pequena cidade. Existia seu namorado conhecia, e agora a prenderá nele.
O porão pertence a uma casa centenária que está abandonada a mais de 50 anos, desconhecida por grande parte da população do município já foi ponto de comércio de escravos e depois de produtos produzidos pelos camponeses que na região residiam. Hoje é o cativeiro daquela bela jovem que espera pela morte.
Sentada com o seu corpo escorado na parede, Mariana observava a vela que queimava lentamente diante seus olhos. Os ratos corriam ao seu redor, quando um barulho a despertou de seus pensamentos, barulho este que vinha da porta do porão. Pensando estar salva Mariana pedia por socorro, mas um rosto conhecido surgiu diante de seus olhos, era Jorge. Como era sábado ele não precisará ir trabalhar, foi até o porão para ver Mariana.
- Mari meu amor, olha só o teu estado. Ai jogada, imunda em meio a esses ratos, essas feridas devem doer, doem? - Jorge estava eufórico, como uma criança que vê o carrinho do picolé.
-Cala sua boca, seu porco! Seu louco. – Gritou Mariana, se encolhendo mais e mais para junto da parede.
- Tudo seria tão simples, mas não. Você é teimosa.
- Jamais quis te enganar, te iludir em um falso amor. Por isso terminei. – Mariana estava com a voz triste, parecia que apesar de tudo sentirá pena de Jorge.
- Te falei no dia em que terminamos. Fique comigo, te ensinarei a me amar. Foi você que plantou o que colheu, era só aprender a me amar. – Lágrimas corriam dos olhos de Jorge.
- Poderia ter aprendido a te amar, mas com o tempo, em meio a uma amizade. Olha onde eu estou? Olha o que você se tornou, prefiro morrer que transar novamente com você. Estou morta por dentro. – Lágrimas agora também corriam dos olhos de Mariana, ela se calou.
Calado Jorge saiu, batendo a porta, e sem dar explicação. As lágrimas haviam encharcado seu rosto. O silêncio voltou a reinar no porão. Mariana mal percebeu a saída do ex. Com os punhos serrados ao rosto chorava, esperando mais uma surra. Notou sua volta, ele entrou rapidamente pela porta do porão a deixando aberta, trazia com sigo uma faca. Era uma faca de cozinha, grande com um cabo de chifre, aparentemente nova, sua lamina refletia o sol que entrava pela porta naquele inicio de tarde.
- Se realmente não me quer mais nos braços? Prove! Ta aqui a faca, terei o gosto em lhe te ver morrer, não me ama? Prove. – Jorge caminhou até a parede onde Mariana estava. Entregou-lhe a faca em mãos e ficou ali parado a poucos centímetros dela.
A jovem agora com a faca em punhos se colocou de joelhos, a girou lentamente entre os dedos e encostou a ponta da lâmina no próprio abdômen. Jorge estava de pé, sem mover um músculo.
Introduzindo a faca lentamente em seu corpo, Mariana exalava leves gemidos, terminou de enfiar a faca soltando um grito que ecoou pelo cômodo. Retirou a faca e a introduziu mais três vezes. Ao ver sua amada cair cuspindo sangue, Jorge a segura nos braços e a viu morrer.
Abalado e sem saber o que fazer, sem nem ao menos conseguir calcular as conseqüências dos fatos, retirou a faca do corpo de Mariana e se suicida, cortando os próprios pulsos.
“Os corpos do jovem casal, ou o que restam deles, ainda estão juntos no porão da velha casa.
“Já suas almas. Acredito que não.”

2 comentários:

  1. Olha só!!! To gostando de ver hein!!!!
    Adorei!!!!
    kisses!!!

    ResponderExcluir
  2. Nossa, é muito bom esse teu conto, tu tem talento com as palavras. Tu sabe escrever de um jeito que as pessoas sempre querem ler mais, adorei!
    http://lollyoliver.wordpress.com/

    ResponderExcluir